
Surra é provavelmente a banda mais brutal do país atualmente. Power trio formado por Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria), fazem mistura de todos os estilos extremos que fica difícil descrevê-los - os próprios incluem até samba no caldeirão de influências.
Nascidos em Santos, no litoral paulista, tinham acabado de gravar DVD comemorativo do melhor e mais recente trabalho, o álbum Escorrendo Pelo Ralo, quando a pandemia os paralisou.
Deu tempo, pelo menos, de os três revisitarem a própria história e contarem planos e conquistas.
Contem a história do Surra, por favor, como gostariam que ficasse para a posteridade.
Victor: Nós começamos em 2012, depois que outra banda em que tocávamos acabou. Nós não queríamos parar e fizemos o Surra às pressas, já lançando nosso primeiro EP no mesmo ano. Em 2016 lançamos o nosso primeiro disco cheio e já emendamos uma turnê na Europa. A partir daí, foi um turbilhão de shows e gravações, até lançarmos o Escorrendo Pelo Ralo, em 2019. Ano passado, foi o ano que fizemos alguns dos shows mais contundentes. Nesse 2020 acredito que iria continuar nessa pegada, mas daí rolou a pandemia e tal… Vamos ver… Esperamos em 2021 continuar nessa loucura.
Existe uma cena de música extrema em Santos?
Guilherme: Na minha opinião, não. Existem bandas lendárias, como é o caso do Vulcano, mas a falta de público e de locais para shows impedem de existir uma cena que dure longos anos. Importante frisar que falamos de Santos, mas a cena de “Santos” também engloba bandas e público de outras cidades, como São Vicente, Praia Grande, Guarujá, Cubatão, onde estilos como o grindcore, death metal e outras vertentes podres são ainda mais fortes do que em Santos.
É possível viver de música extrema no país?
Victor: É possível sim, mas tem que querer muito e abdicar de muitas coisas na vida pessoal e profissional para rolar.
Guilherme: Antes da pandemia eu achava possível sobreviver de música extrema no Brasil. Porém, o cenário atual só mostrou como a classe artística no Brasil está totalmente desamparada e é descartável na opinião de muitos. Ter como única fonte de renda cachês, merchandising e royalties para pagar aluguel, comida e outros custos de vida exorbitantes em uma cidade como São Paulo, por exemplo, é algo praticamente impossível.
Leeo: Sobreviver sendo somente músico/musicista, acho bem difícil. Para ter alguma chance tem que fazer outras coisas em volta disso, tipo dar aula, trampar no palco, em estúdio, agência.
Aliás, como vocês definem a música que fazem?
Victor: A gente adotou a alcunha de thrashpunk depois de um pessoal de Barcelona rotular a gente desse jeito, mas a banda é uma maçaroca de hardcore, punk, grindcore, thrash, death, crossover, crust.
Guilherme: Na minha opinião fazemos um thrashcore/crossover que une elementos de várias outras vertentes do metal e hardcore como grindcore, death metal, black metal, crust, punk. Na parte lírica e vocal acho que estamos mais perto de uma pegada mais hardcore punk cantado rápido e em português sem a presença de elementos extremos como guturais e vocais rasgados.
Quais são as referências que cada integrante traz para o som?
Guilherme: Para o som do Surra tento trazer bastante influências de thrash e crossover na pegada do D.R.I. e Cryptic Slaughter com riffs mais simples e rápidos e alguns riffs mais chucros com influências de death metal anos 90 como Suffocation, Obituary, Cannibal Corpse. Além de elementos do samba que é um estilo que gosto muito por influência do meu pai.
Victor: Acho que isso é bastante mutável conforme vai passando o tempo. Nós sempre estamos de ouvidos abertos, ainda mais nessa época em que vivemos que temos praticamente um lançamento por dia de som extremo no mundo.
Leeo: Putz, eu tenho umas ideias desde melódico até aquele grind ilegível e levo para os ensaios o que acho que dá para resolver em música do Surra.
Conte sobre o que planejam para o futuro próximo.
Victor: No futuro próximo nós temos alguns EPs já na manga para lançar, e talvez um lançamento mais ambicioso para 2021.
Guilherme: Vamos continuar trabalhando também nossa loja online com novos modelos de camisetas e outras coisas. Planejamos também estarmos vacinados para poder retornar aos palcos o mais breve possível.
Leeo: Sobreviver a essa vida de merda que é ficar sem viajar para tocar. E depois voltar a viajar para tocar.
Pouco antes da pandemia vocês gravaram um DVD. O que mudou com essa fase?
Victor: Nós sempre tentamos, após um período intenso de shows, organizar um show por nós mesmos e filmar para manter um registro “histórico” da época. Como esse ciclo de lançamento do Escorrendo Pelo Ralo foi muito importante para nós, nada mais justo do que a gente gravar um ao vivo bem feito.
Guilherme: Concordo que o Escorrendo Pelo Ralo: Ao Vivo em São Paulo encerra um ciclo importante. Infelizmente, depois disso fizemos apenas três shows, mas conseguimos materializar o disco em CD que foi o primeiro lançamento oficial do nosso selo Cadeia Records, em parceria com a Läjä Records.
Leeo: Foi o primeiro trabalho do Surra que eu mesmo produzi toda a parte de áudio. Usamos isso de laboratório para saber se funcionaria e, mesmo que ainda tenha muito para melhorar, consideramos um bom resultado e decidimos produzir e gravar por nós mesmos os próximos trabalhos de estúdio da banda.
Quais histórias do grupo até hoje vocês destacariam?
Guilherme: Eu sempre me lembro do nosso show na Casa Fora do Eixo, em Macapá, onde tocamos no quintal da casa. O show foi em frente a um jardim onde tinham recém plantado um coqueiro bem no meio do jardim. Me lembro do wall of death abrindo e os moradores da casa desesperados com o coqueiro que foi atropelado pelo público e infelizmente não sobreviveu.
Victor: Eu destacaria uma da nossa mais recente turnê na Europa, de 2018, quando ficamos hospedados em uma fazenda no meio do nada no País Basco. Já o caminho para chegar até lá foi um terror, com uma estradinha minúscula, cheia de caminhões e uma neblina absurda. Não dava para enxergar um palmo na frente. Quando finalmente chegamos, nós fomos dormir em um lugar muito parecido com um cativeiro. Não tinha nem banheiro. Tivemos que fazer nossas necessidades no mato, ao lado de bois e ovelhas que eram criadas na fazenda. Foi uma experiência interessante.
Leeo: Me lembro do nosso primeiro show em Belém em 2014. Foi num lugar pequeno e com muita gente, aqueles que não tem palco, tudo no chão mesmo. A galera estava tão insana que vinham caindo em cima de mim, várias vezes eu parava de tocar e tinha que segurar o amplificador para não cair tudo. O pedestal de microfone do Gui quebrou e metade do show ele tocou em cima do ampli de baixo com um amigo nosso segurando o microfone para ele. E no meio do show ainda arrancaram um pedaço do teto de PVC empurrando um outro amigo nosso contra o teto durante um 'stage' dive. Foi sem dúvida um dos shows mais legais que já fizemos.